A Pesquisa

Foi em 1960, que quatro pesquisadores do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), liderados por Charles E. Murphey, apresentaram o trabalho intitulado “Estimating Yields of Retail Cuts from Beef Carcasses” (Estimando rendimentos de cortes comerciais de carcaças bovinas) numa reunião, em Chicago, Illinois, da American Society of Animal Production, que no ano seguinte mudaria o nome, para American Society of Animal Science.

Dois estudos foram relatados, o primeiro foi feito com 185 carcaças, de novilhos e novilhas, representativas de três grupos de alta, média e baixa “cutability” (rendimento em cortes desossados). Sete medidas foram feitas antes de transportar as meias carcaças para uma central de distribuição, para serem desossadas, das quais as principais eram a área do olho de lombo (AOL), entre a penúltima e a última costela, e três medidas de espessura de gordura (EG) subcutânea. Na central as meias carcaças foram divididas em cortes primários, que em seguida foram aparados a 13 mm de gordura, depois desdobrados em cortes de varejo, aparados a 6-7 mm. Alguns cortes não foram desossados, para não prejudicar a sua comercialização. Todos os pesos, e as porcentagens em relação ao peso total dos cortes, foram anotados. O segundo estudo utilizou 162 meias carcaças, de novilhos, novilhas e vacas, dos diferentes “USDA quality grades” (tipos de qualidade), nas quais foram feitas as mesmas medidas, porém a desossa dos cortes foi total e os rendimentos dos principais cortes: round (coxão), loin (contrafilé com filé mignon e alcatra), rib (filé de costela), e chuck (acém com paleta), completamente desossados, com gordura aparada, foram determinados.

Murphey et al.(1960) constataram que as correlações entre a média de três medidas de espessura de gordura (EG) sobre a AOL, ou de uma só medida de EG, ou ainda de uma avaliação subjetiva (visual) de acabamento da carcaça, com os rendimentos de cortes apenas aparados, da desossa parcial, ou da desossa total são muito altas e negativas (-0,68 a -0,90). Muito altas e negativas (-0,78 a -0,98) também são as correlações desses rendimentos com a porcentagem de aparas de gordura resultante da elaboração dos cortes cárneos. Entre outros resultados, a correlação entre rendimento dos cortes primários parcialmente desossados e aparados e o rendimento dos cortes totalmente desossados e aparados foi altíssima e positiva (0,98). Interessante observação dos autores no artigo foi que nenhuma medida de EG foi tão altamente correlacionada com os rendimentos de cortes quanto uma avaliação visual do acabamento. Daí que eles decidiram usar nas equações de regressão uma medida objetiva de EG ajustada subjetivamente com base numa avaliação visual de acabamento da carcaça. Felício & Allen (1981/82) trabalhando com carcaças de novilhos zebuínos, no Brasil, também constataram que uma avaliação visual da gordura de cobertura feita pelos pesquisadores apresentava correlações tão altas com os rendimentos de cortes comerciais quanto uma medida da EG sobre a AOL (Fig. 1).

Figura 1. Medindo a espessura de gordura subcutânea, entre a penúltima e última costela (12a. e 13a.), perpendicularmente à superfície da carcaça a ¾ do comprimento maior do olho de lombo desde as apófises espinhosas das vértebras torácicas (AMSA, 2001).

As Equações

Das 21 equações de regressão obtidas no estudo, destinadas a estimar os rendimentos de cortes comerciais, os autores destacaram e justificaram a escolha de três, das quais uma que acabou consagrada ficou conhecida como equação de Murphey. Em junho de 1965, ela foi oficializada pelo USDA e adotada na tipificação. A partir desta data, todas as carcaças passaram a ser divididas transversalmente, entre a 12a. e a 13a. costela, visando à mensuração da AOL e da EG, na secção de corte do músculo Longuíssimo dorsal. Segue a equação de Murphey adaptada por ele e colaboradores, para que sirva também em situações onde o sebo (gorduras pélvica e renal) seja removido da carcaça quente na sala de matança e não somente após o resfriamento como é usual nos Estados Unidos.

Eq.1. Y = 51,34 – 5,78 (medida de EG, pol.) – 0,462 (gordura pélvica e renal, %) + 0,740 (AOL, pol2) – 0,0093 (peso da carcaça, lb.)

Onde Y é a estimativa da porcentagem de cortes comerciais desossados e aparados do “round” (coxão), “loin” (contrafilé c/ filé mignon e alcatra), “rib” (filé de costela), e “Chuck” (acém c/ paleta), representados na Fig. 2. O número 51,34 é o intercepto da equação.

Figura 2. Representação dos cortes primários Chuck, Rib, Loin (Short loin e Sirloin), e Round, títulos na parte superior da figura, segundo a Beef Chart do National Live Stock and Meat Board, dos Estados Unidos.

Felício (2010) explicou como a equação de Murphey deu origem ao “Yield Grade” (Grau de rendimento de cortes) da tipificação americana. Primeiro foi substituído o intercepto por 2,5 e, depois, dividiram cada um dos coeficientes de regressão linear múltipla por uma constante (k=2,3), e trocaram os sinais dos coeficientes de regressão, de modo que os incrementos de EG, GPR (sebo) e PCQ fossem positivos para aumentar o YG e AOL fosse negativo para reduzir o YG. O objetivo foi simplificar o YG moldando-o a uma escala de 1 a 5, onde 1 é o maior rendimento e 5 o menor. A EG é o fator de maior peso na equação. O resultado foi como segue.

Eq.2. YG = 2,5 + 2,50 (EG ajustada, pol.) + 0,20 (GPR%) – 0,32 (AOL, pol2) + 0,0038 (PCQ, lbs)

Em que EG ajustada é a espessura de gordura corrigida pelo tipificador com base em avaliação visual da gordura de cobertura, em polegada; GPR% é a quantidade de gordura pélvica e renal, em % do PCQ; PCQ é o peso da carcaça quente, em libras; e AOL é a área de olho de lombo, em polegadas quadradas.

A equação do YG também pode ser escrita no sistema métrico decimal, como se vê a seguir.

Eq. 3. YG = 2,5 + 0,1 (EG ajustada, mm) + 0,20 (GPR, %) – 0,0496 (AOL, cm2) + 0,0084 (PCQ, kg)

Exemplo: YG = 2,5 + (0,1 x 8 mm) + (0,2 x 3,5%) + (0,0084 x 272 kg) – (0,0496 x 71 cm2) = 2,8

Eq. 3. também pode ser utilizada sem a GPR (gordura pélvica e renal, %), nas situações em que o sebo é removido na sala de matança, como ocorre nos frigoríficos do Brasil, uma vez que a participação dela, na equação, foi originalmente concebida, prevendo-se que algum dia, ou em outro lugar, poderia ocorrer sua remoção da carcaça antes do resfriamento. Fica assim:

Eq. 4. YG = 2,5 + 0,1 (EG ajustada, mm) + 0,0084 x PCQ, kg) – (0,0496 x AOL, cm2)

Exemplo: YG = 2,5 + (0,1 x 8 mm) + (0,0084x 272 kg) – (0,0496 x 71 cm2) = 2,1

Com base na Eq.4., uma carcaça quente (sem GPR), pesando 272 kg, com 8 mm de

EG e 71 cm2 de AOL, terá um YG de 2,1 que corresponde a 52,3% de cortes RLRC.

Foi assim que a equação de Murphey foi incorporada ao dia a dia da indústria frigorífica norte-americana, como Yield Grade e, também, como estimativa da porcentagem de cortes comerciais do coxão, do contrafilé com filé mignon e alcatra, do filé de costela e do acém com paleta, quando se utiliza a equação original. Saliente-se que, no programa oficial de tipificação quantitativa do USDA, as casas decimais são eliminadas. Por exemplo, um YG calculado como 3,9 torna-se simplesmente 3, ou seja, todos os graus de 1 a 1,9, de 2 a 2,9, e assim por diante, tornam-se 1, 2, 3, 4 e 5, e as cotações de preços referem-se ao YG 3, ágios e deságios ocorrem após o abate em função da tipificação (ver ilustração na Fig. 3). Em estudos e pesquisas, mantém-se uma decimal (USDA, 1978).

Figura 3. Régua de cálculo de Yield Grade do USDA que tem como base uma adaptação da equação de Murphey.

O objetivo da eliminação de decimais do YG, no dia a dia da prática industrial, é trabalhar com faixas de rendimentos em cortes comerciais e não com um número preciso para cada carcaça, ver Tabela 1.

Por muitos anos, desde a segunda metade da década de 60, a tipificação pelo Yield Grade era uma atribuição exclusiva dos tipificadores do USDA que, trabalhando em duplas, um estimava visualmente a EG, a AOL e a porcentagem de sebo (gordura pélvica e renal), enquanto o outro conferia as estimativas medindo a EG e AOL quando surgia uma dúvida. Contudo, nos últimos 10 anos, tem havido uma crescente adoção de tecnologia na forma de equipamentos de vídeo-imagem para tipificação na indústria frigorífica (ver ilustração na Fig. 4).

Figura 4. Equipamento de vídeo-imagem usado na tipificação eletrônica de carcaças segundo o US Meat Animal Research Center, Departamento de Agricultura dos EUA.

Na Tabela 2 é apresentado um exemplo de planilha de cálculo (p.ex.: ExcelTM), que, uma vez inseridas as formulas, pode ser utilizada para calcular as estimativas de Yield Grade e de rendimentos dos principais cortes comerciais,para ser usada em estudos, aulas e relatórios técnicos. São três exemplos, do 1 para o 2 só muda a espessura de gordura, de 6,4 para 15 mm, então o YG vai de 2,3 para 3,2, e a porcentagem de cortes comerciais cai de 51,5 para 49,5, o que representa uma perda de dois pontos percentuais. No exemplo 3, a EG volta a 6,4 mm, o peso da carcaça foi reduzido em 2%, que corresponde ao peso do sebo, e este foi zerado, como se dá na prática industrial no Brasil. O YG caiu para 1,8 e o rendimento dos cortes aumentou um ponto percentual em relação ao exemplo 1. É importante notar que o YG aumenta de 1 a 5, principalmente em função da EG, e enquanto o grau aumenta, diminui o rendimento de desossa, porque a gordura gera aparas.

Coefs. = coeficientes de regressão; FT = espessura de gordura, in; REA = área do olho de lombo, sq in; KPH = gordura (sebo) pélvico e renal; HCW = peso da carcaça quente, lb; YG = Yield Grade; RLRC (%) = rendimentos dos cortes comerciais de round (coxão), loin (contrafilé c/ filé mignon e alcatra), rib (filé de costela), e chuck (acém e paleta).

Conclusão

O trabalho de Murphey et al. (1960), que está fazendo aniversário de 58 anos em novembro deste ano, já teve sua principal equação discutida em inúmeros trabalhos de pesquisa, sendo que alguns demonstraram rendimentos subestimados em cortes no abate de gado de grande desenvolvimento muscular, ou superestimados em carcaças muito gordas, mas nenhuma das propostas feitas até hoje foi capaz de representar tão bem a variabilidade encontrada nos frigoríficos norte-americanos de modo a encorajar sua substituição pelo USDA. Mas isto não quer dizer que não possa surgir alguma alternativa com as novas tecnologias que venham a integrar melhor a forma tridimensional da carcaça bovina do que as medidas lineares empregadas na equação de regressão múltipla do Yield Grade.

Nota: Charles E. Murphey, que iniciou e terminou sua carreira científica na Texas A&M University, tendo trabalhado a maior parte da sua vida no USDA, e falecido em 1988, foi reconhecido postumamente em 2013, pela prestigiosa revista Beef Magazine, como um dos “50 top beef industry leaders” (50 maiores líderes da indústria da carne bovina) da segunda metade do século 20. Acredita-se que a sua equação adotada pelo USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos tenha trazido uma economia de alguns bilhões de dólares à indústria da carne pela redução no desperdício de gordura. (Savell, 2013).

Bibliografia citada

  1. AMSA – American Meat Science Association. Meat Evaluation Handbook. National Cattlemen’s Beef Association, USA 2001. p.18.

  2. Felício, P.E. de; Allen, D.M. Previsão de rendimentos em carne aproveitável da carcaça de novilhos Zebu. Col. ITAL, Campinas, 12:203-217, 1981/82.

  3. Felício, P.E. de. Classificação e Tipificação de Carcaças Bovinas. cap. 63, p.1257-1276. In: Vaz Pires, A. (Ed.) Bovinocultura de corte, v. II, p. 761-1508. FEALQ, Piracicaba, SP. 2010, 1510p.

  4. Murphey, C.E., D.K. Hallet, W.E. Tyler, and J.C. Pierce. 1960. Estimating yields of retail cuts from beef carcasses. Presented at the 62nd Meet. of the Amer. Soc. Of Anim. Prod., Chicago, November 26, 1960.

  5. Savell, J. BEEF Honors 50 Top Industry Leaders | C.E. Murphey https://meat.tamu.edu/2013/09/19/beef-honors-murphey/2013. Consultado em 23 de outubro de 2018.

  6. USDA. Yield Grades for Beef. Food Safety and Quality Service. Marketing Bulletin n.45, revised June 1978. 19p.

Fonte: https://portaldbo.com.br/equacao-de-murphey-a-base-da-tipificacao-de-carcacas-do-usda/